23 outubro, 2017

Vim aqui lançar um clássico, diz o poema

Crisântemos de Abril *, de Luís Oliveira, CanalSonora edição, 2017, por A.Dasilva O. apresentado no passado dia 21.


Vim aqui lançar um clássico
Nada há de mais clássico
Que o primeiro livro
Onde a musa lança a primeira pedra
Como um ser vivo
não humano mas um clone
um Outro que lhe é intrínseco
 Lhe diz tens mãozinhas e pezinhos
faz-te à vida que a morte
é uma livraria onde se decom-põem
 as centenas de livros editados diariamente como um caso sério
De senilidade da nossa cultura, ciência e politica

Tal como as cavernas casas o livro 
constrói-se com os cornos enfiados na terra

Poesia é uma flor que floresce depois de morta

A necessidade de novas metáforas para alimentar o sistema
Faz fome de  dialéctica depois de falhar três vezes
e de contaminar o espírito do seu tempo com a ambrósia
das  águas placentas engarrafando-as
para dar à luz a Fénix e as suas ruínas

Nas suas trevas
deambulamos
como gado
num aido

Bem-vindo ao mundo  das trevas

Os poemas são factos desconhecidos
que dão vida ao impossível
espírito cientifico
Pois em si reúne o Poeta
a Pedra e o Bisturi


E a eles não te atrevas
senão
cumprir a tua tarefa  da necessidade de poetas do erro sistemático que perturbem o normal funcionamento do sistema

Só poeta Ser-hás-de depois de negares o teu primeiro livro
Mesmo que a vida passes a escrevê-lo
A rasgar
A escrever
A rasgar
A emendar
A cortar
Até te queimares
Sem deixar resíduo



Bem-vindo ao mundo dos mortos



Um elevador chamado eu sou
Mas não sou mas se o sou por necessidade de nada ser
Sem o mal do mundo
Na ausência de gravidade
E inexistência duma só realidade, mas todas
Na tarefa     de o ser impossível senão outro

entrar  em negação
deambulando bêbado de néctar e ambrósia

De boas intenções está a poesia farta
e dos seus apócrifos livros cheios de poemas insubstituíveis

Mugir as palavras
tens

A pulso deves
Mugi-las
Para lhes sacar  a ambrósia e o néctar

Também elas se cansam de nós

As palavras têm cérebro memória e medo de não serem ditas

As palavras são como  cervejas fazendo da vida um inferno
Esse bolo poético (à base de ambrósia e néctar) com a verdade em cima
Com que dás vida ao cadáver esquisito



*Crisântemos flor preferida para acampar no dia dos mortos (e/ou fieis defuntos), nos cemitérios tem/tinha  um nome de guerra , entre as floristas no mercado do Bolhão no Porto,  de Salazares.